Saturday, December 06, 2008

Quero sonhar...

O dia está a nascer. Soluço baixinho com a face molhada. Na imensidão da cidade ecoa a tua voz. Nesta hora, neste princípio de amanhecer, vejo o teu rosto no vidro da janela, ouço-te no canto dos pássaros que despertam, cheiro-te nesta solidão. O sentimento de perda perpetua-se no meu peito, queima, fere, rasga, mata-me mas continuo a viver.
Estou despida, com frio, com medo, com saudade. Dormir não faz sentido, viver não faz sentido. Sorrir não passa de uma trémula lembrança de infância, sonhar é uma ínfima partícula subsistente no meu ser. Porque não desistir? Porque não juntar-me aos pássaros que voam lá fora? O que vale esta existência?
Preciso de ti. Preciso tanto de ti. Sentir-te aqui, embalares-me até adormecer.
Preciso de sair de mim. Fugir de mim. Deixar de me esconder atrás desta pele frágil de menina com olhos cansados e tristes. Entulhar toda a dor e queimá-la, desfazer todas as suas réstias mais persistentes, triturá-la com os meus dentes que um dia se julgaram felizes por sorrirem a teu lado.
O céu clareou. Pesam-me as pálpebras inchadas, as lágrimas já secaram na minha face.
O cansaço puxa-me para a cama. Quero dormir. Quero viver. Quero sonhar...

Wednesday, January 30, 2008

Ilusão vs Mestre Caeiro

“Tudo isto é uma ilusão”, suspira alguém a meu lado numa tarde de primavera. Corria uma brisa agradável que contrastava com o calor daquele dia. “O quê que é ilusão?”, interrogo com a mente aluada enquanto olho o rio que fluía. “Tudo. A vida essencialmente”.
De facto, não sei se feliz ou infelizmente, isso é verdade.
Felizmente porque a ilusão nos move e infelizmente porque ela raramente se concretiza. É curioso imaginar a humanidade sem ela; como seriam as nossas vidas? Quiçá monótonas, cómodas, sensabor, ténues…e como são com ela? Posso dar o testemunho de atribuladas, intensas, de extremos, recheada de riscos.
Mas até que ponto é preferível a dúvida de uma vida repleta de ilusões e lutas onde não prevemos se algum dia conseguiremos concretizá-las, ou a certeza de uma vida calma, pataca e certa? Como lidaria o mundo face à inexistência do sonho de prosperidade individual, da utopia da ambição, da quimera do sucesso, da racionalidade estratégica de delineamento da vida e da ilusão da subjectiva felicidade?
Ah mas que merda não conseguir responder a isto! Penso que se o Mestre Caeiro ainda estivesse entre nós poderia dar uma interessante palestra sobre tais questões!

Tuesday, January 15, 2008

No "Clube dos Poetas Mortos"...

Entre Thoreau e Tennyson, do filme extrai-se, para além de um imenso apelo ao carpe diem, pensamentos curiosos, para não dizer, arrepiantes...

"Fui para os bosques viver de livre vontade para sugar todo o tutano da vida! Para aniquilar tudo o que não era vida e para, quando morrer, não descobrir que não vivi."(Thoreau)
"Venham, meus amigos! Não é tarde demais para procurar um mundo mais novo; eu estou decidido a navegar para lá do crepúsculo. E embora nao tenhamos a força que outrora movia a terra e o céu, somos como somos, idêntica têmpera da corações heróicos, tornados fracos pelo tempo e destino mas fortes em determinação. Lutar, procurar, encontrar e não capitular!" (Tennyson)
"Apanha os botões de rosas enquanto podes; o tempo voa e esta flor que hoje sorri amanhã estará moribunda"
Peter Weir

Catarse da existência

Solidão.
Há meses que me pergunto pela minha inspiração, pela antiga e repentina vontade de exteriorizar com a escrita o que sinto. Faz tempo que não escrevo. Faz tempo que não penso naquilo que mais temo e preciso de compreender. Faz tanto tempo que não invoco guerras surreais nos meus suspiros onde a existência e a morte se debatem.
(In) Felizmente, o afamado amor, ou o que os cépticos lhe preferirem chamar, combate tais temáticas: enquanto o sinto não me encurralo em angústias existenciais ou nas grandes questões do homem. Talvez porque me iludo pensando que enquanto ele nos acompanha o sentido de vida emerge (ah! que pena essa catarse da existência ser, na maioria das vezes, tão efémera!).
No entanto, e bem lá no fundo, a maldita e eterna companheira consciência acompanha-me sempre e continua e a impor as suas sérias questões acerca do meu sentido de vida; do meu e tantas outras vidas que raramente pensam nisso.
Continuo, portanto, sem encontrar respostas. Continuo, incansavelmente, a desejar o impossível e o que só um Deus inventado me pode dar... Assim sendo, terei de ser eu a dar a mim própria uma remediada solução para todas as dúvidas? Quem sabe, querido Ricardo Reis, um suspiro profundo com o olhar no horizonte ou uma explosão de choro me apaziguariam a revolta das pertinentes questões das tuas leis implacáveis?
E a efémera vida devora-nos lentamente, e a abrupta morte também.



“Pesa-me a lei implacável,
dói-me a hora invicta,
o tempo que não cessa”

Ricardo Reis

Ingénua - um texto soft portanto

Eram tão bons os tempos das paixonetas inocentes; sem cheiros, sabores, recordações únicas, experiências novas, sem hábitos, dependências, comodidades. Eram tão bons os amores pelo telemóvel ou chats da Internet; sem olhares intensos, sabores de lágrimas, ecos de gritos e explosão de raiva numa expressão de impotência. Era tão bom quando o ouvir de uma palavra bonita chegava. Era tão bom quando via os filmes e acreditava no “foram felizes para sempre”. Era tão bom quando sonhava ser alguém confiante e feliz com pleno auto controlo.
É tão bom quando não se ama… e sou tão ingénua ao pensar que podemos viver sem amar.

Continuo a viver

Morro, e não me completo.
Morro, e estou só.
Morro, e não vivi.
Morro, e tenho medo.
Morro, e continuo a chorar.
Morro, e quero saber o porquê.
Morro, e não fui feliz.
Morro, e não me salvam.
Morro e continuo a viver.

É aqui onde eu (não) moro

Bocejo.
«No princípio, Deus criou o Céu e a Terra. A Terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam o abismo e um vento impetuoso soprava sobre as águas. Deus disse: «Que exista a luz!» E a luz começou a existir (…)».
Coço a testa com um olhar distante. Será que todos cremos piamente em tal? Porque não o fazer se até seria mais fácil? Não, não; aflui-me constantemente Marx ao pensamento, “É pois tarefa da História estabelecer a verdade deste mundo”. Concordo, reflito, afinal a História tem-se tornado progressivamente mais exacta, daí que esta deva ser uma fonte (ainda que não definida e inquestionável) segura de conhecimento.
«Ide em Paz e que o Senhor vos acompanhe».
Desisto, não mais voltarei a este local. Talvez a majestosa Sé não me dê mesmo outra solução senão contentar-me com a irresolução permanente da vida. Qual religião? Qual filosofia?! Quer uma quer outra admitem de “início a possibilidade do mundo ser um problema em si mesmo insolúvel”, parafraseando José Ortega.
Subo toda a Avenida 1º de Maio e curiosamente hoje as pessoas estão mais afáveis; “Olá, tudo bem? Boas Férias!” (interrogo-me...será por ser Páscoa?). Decididamente, as ocasiões não fazem o homem mas mostram o que ele é. Típico, portanto.
Entro num café e sem ter sequer a conveniente preocupação de cumprimentar as pessoas em volta, sento-me. Um café, um cigarro e um livro é o suficiente para me perder ali um bom bocado. Ora bem, “Futuro de uma ilusão” não será de todo o livro mais animador para ler enquanto jovem mas Freud é, de facto, interessante... “Essas ideias, que se dizem dogmas, não são o resíduo da experiência nem o resultado final da reflexão: são ilusões, (...) o segredo da sua força é a força dos seus desejos. (...) A angústia humana face aos perigos da vida acalma-se à ideia do reinado benfazejo da providência divina.” Isto chega.
Saio e caminho mais calmamente em direcção à famosa rua Direita. “Tu es pastor”, colocou o italiano Nicolau Nasoni na barroca Capela Nova, bem, como Caeiro escrevera “eu nunca guardei rebanhos, mas é como se os guardasse”, cada um é, portanto, o que pretender, sem mesmo nunca ter tido contacto com o ente em questão… (como é isso possível? Não será meramente uma obtusa convicção?).
Prossigo e após alguns minutos vou encontrar-me no Jardim da Carreira. “Onde está a felicidade?”, interrogo Camilo, pois mesmo depois da tua obra ninguém a descobre (ou não a querem descobrir genuína?!).
Está na hora. De quê? É meio-dia diz-me o sol. Desço as escadas e prossigo o meu caminho. Durante o percurso descubro-me no reflexo de uma vitrina, no entanto, como me ensinou Juan Vives, “nenhum espelho reflecte melhor o homem do que as suas palavras”. Não quero regressar, suspiro, quero aproveitar a vida para a viver, não sobreviver. Aproveitar cada dia de sol e de chuva e contemplar tudo que a fabulosa Natureza nos dá, e não lutar constantemente com um Deus que impõe as piores inquitações no meu ser, lutar com um Deus que teimo eliminar mas que constantemente esta cidade, as pessoas, o mundo, mo devolvem sem eu querer.
Chego à Ponte Metálica e caminho vagarosamente pensando o quão bom seria poder evaporar-me na brisa que por ali flui...viajar todo o mediterrâneo dois milénios passados e testemunhar de perto o que querem que eu acredite hoje. E tu pássaro que voas rente ao céu? Também pensas em Deus? Eu que não tenho asas tento voar até ao infinito para descobri-lo e tu que as tens, podes responder à minha pergunta?
Atravesso a Estação. Atractivo aquele lugar. Aquelas grandes árvores e muros carregados de histórias ora tristonhas ora felizes que ninguém afigura, de despedidas e reencontros em tempos tão vividos. Agora? Morreram como tudo.
Como sempre, não sigo o trajecto traçado, mas traço o meu caminho. Aliás, nunca devemos seguir o caminho que outros percorrem pois tal só nos conduz até onde eles chegaram. Não; eu tenho fome de mais.
Desvio então à direita.
A longa e larga rua onde me encontro é habitada por enormíssimas árvores e ruínas: velhas casas e jardins escondem-se por ambas as alas submetidas à escudirão da sombra delas. Interessante mas simultaneamente tão melancólica a grande rua, penso enquanto a percorro até à clareira distante.
Cheguei ao paradão. Observo por detrás das grades o velho cemitério lá ao fundo e os aterradores penhascos nascendo do rio Corgo. Espero agora encontrar o que procuro.
O Sol queima, tendo eu de semi-cerrar os olhos face à claridade existente...é isso! Percebo agora Marx! “A religião não é senão um sol fictício que gravita em torno do homem, na medida em que o homem não gravita em torno de si mesmo.”; uma vez que, na maioria, quando confrontada com ela não lhe opomos ou questionamos nada, fechando os olhos. Mas, afinal, é esse o problema...não consigo trancar a visão e acreditar. Acreditar simplesmente que existimos para ser felizes e procriar, como um Deus amigo nos transmite.
Ora pensem: como ser felizes num mundo tão fútil e desigual? Tão materialista, competitivo e hipócrita? Invejoso e tão sem escrúpulos! Como ser felizes numa cidade tão mesquinha de sorrisos e amizades podres? Numa cidade tão rica no seu valor histórico-cultural mas tão pobre nas mentalidades! Como amigo dos céus?! Como é possível que não queira permanecer nesta cidade onde moro mas ao mesmo tempo sinto que é preciso mudá-la!
Não. Não posso mudar o mundo ou mesmo Vila Real sem primeiro me mudar e definir a mim mesma, analiso.
Sinto uma voz inaudível dentro de mim que me arrasta até à grade de ferro verde escura; agarro-a firmemente e observo em redor a paisagem. Recordo que uma pessoa em tempos dissera que a vida é um precipício e que acabaremos todos por cair mas que o truque está em saber arragar as grades que nos confrontam para que, pelo menos, apreciemos a paisagem... No entanto, não percebo esse Deus superior a nós. Estou cansada de não ter um sentido de vida. Estou cansada de imaginar uma vida e não a viver. Estou cansada de ter uma vida e apenas sobreviver…mas, afinal de contas, não é isso que toda a gente, bem lá no fundo, sente?
Encho de fumo os pulmões e subitamente o tempo pára. Observo a flor amarela que brotando se espreguiça e se volta para o céu.
Percebo, agora, que não tenho nada a descobrir nem nada a desvendar pois tudo que encontrasse, religioso, cientifico, político ou filosófico, não seria suficiente para explicar o que acabo de presenciar nesta perfeição da Natureza. “A realidade, tal como a paisagem, tem infinitas perspectativas, todas elas igualmente verídicas e autênticas. A única perspectiva falsa é aquela que pretende ser única” (José Ortega).